A desproteção social do feminicídio – 18/09/2024 – Rômulo Saraiva


Embora o feminicídio não seja uma novidade no país, infelizmente a violência doméstica e o crime de mulheres em razão do gênero não têm a atenção devida nas leis. Em 2015, o conceito de feminicídio foi introduzido no Código Penal. Em 2023, a legislação evoluiu para uma cobertura precária e parcial. A lei 14.717 admite que filhos e dependentes menores de 18 anos —órfãos de mulheres vítimas de feminicídio— terão direito a um benefício assistencial, chamado “pensão especial”, no valor de um salário mínimo. O aprimoramento destina-se apenas a famílias extremamente pobres, cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a um quarto do salário mínimo.

Ficam de fora os órfãos com idade entre 18 e 21 anos, bem como mulheres que sejam apenas pobres ou mesmo classe média e que não tenham condições de pagar todo mês a Previdência Social. Mesmo aquelas mulheres que pagam o INSS poderão ter proteção somente em situações graves, como uma violência que a impossibilite de continuar trabalhando temporariamente, em casos de invalidez, pessoa com deficiência ou morte.

A proteção social das mulheres em situação de violência doméstica encontra-se prejudicada, portanto, para aquelas que estejam num meio-termo entre os contextos socioeconômicos. De um lado, as mulheres extremamente pobres podem encontrar amparo na assistência social, ganhando o benefício de prestação continuada por deficiência. Na outra extremidade estão as mulheres empregadas ou que recolhem a contribuição social na condição de autônoma, empresária ou segurada facultativa.

O problema é que há um abismo entre essas extremidades, que engloba número significativo de mulheres desempregadas, trabalhadoras informais, intermitentes ou com recolhimento da contribuição social abaixo do salário mínimo. Tais mulheres e seus dependentes ficarão desprotegidos.

Paradoxalmente, não tem proteção social fatia importante das mulheres que estão justamente no mapa da violência doméstica e do feminicídio. São perfis de mulheres com trabalho informal ou nenhum trabalho; baixa ou nenhuma remuneração; de pele negra (levando em consideração a cor parda e preta); com filhos; sem acesso a moradia formal e com escolaridade até o ensino médio.

Não há proteção social na fase anterior ao óbito, o clímax da violência doméstica, mas integrantes do ciclo da violência, a exemplo das ameaças e das agressões leves, que não deixem marcas ou sequelas no corpo. Nem a legislação da Previdência Social nem a da assistência social, embora esta tenha como objetivo a proteção social que vise a garantia à vida e à família, estão sensíveis e adaptadas para cobertura desse espectro.

É necessário que a legislação seja adaptada com rapidez para alcançar situações ainda sem proteção social. Infelizmente os números da violência doméstica são crescentes no país. Apenas em 2023 foram 1.463 mulheres vítimas de feminicídio, uma média de 121 mortes por mês. Para obter o efeito pedagógico e combater o prejuízo causado aos cofres, no período correspondente, o INSS ajuizou 12 ações para ser ressarcido. O descompasso e a desproporção dos números revelam apenas a atenção (ou falta dela) desse problema social.


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