Mas, afinal, por que Marçal nos assusta? – 18/09/2024 – Cotidiano


Após a agressão de Datena (PSDB) a Pablo Marçal (PRTB) com uma cadeira, ao vivo, no debate da TV Cultura, a reação nas redes sociais foi uma explosão de memes e piadas. Legítimo, considerando o ambiente informal desses espaços virtuais. O que chama a atenção, no entanto, é o fato de que o jornalismo embarcou na mesma onda de humor, isso quando não tentou justificar o ocorrido.

Segundo muitos jornalistas, Marçal teria “provocado” o ataque. Curioso é observar que Datena era visto como um porta-voz do discurso extremista, um promotor da violência nos programas sensacionalistas de TV até pouco tempo. Agora, ele é simplesmente retratado como um idoso cuja honra familiar foi ofendida.

Depois do incidente, Datena voltou para casa, e a discussão sobre as consequências legais de ter agredido um candidato em rede nacional ficou em terceiro plano, quase ausente das matérias que cobriram o fato. Como se essa questão simplesmente não importasse. Eu não sabia que estava permitido dar cadeiradas corretivas em qualquer pessoa. E espero que a moda não pegue.

Talvez, por trás do sentimento de “bem-feito” que paira no ar após o episódio esteja o fato de que Marçal é visto por muitos, tanto à direita quanto à esquerda, como um candidato que precisa ser parado a qualquer custo. Mas isso levanta outra questão: o que tanto assusta em Pablo Marçal?

O candidato do PRTB tem um discurso menos autoritário e muito menos golpista que o de seu “mentor”, Jair Bolsonaro. Em termos de defesa da democracia e das instituições, não há grandes ameaças em sua fala. Também não há, por trás de sua candidatura, rumores de acordos para que o Congresso vote pela anistia do ex-presidente, como acontece com Ricardo Nunes, candidato do MDB, por exemplo.

É verdade que Marçal apresenta propostas inexequíveis e, muitas vezes, absurdas. Mas quantos políticos não passaram décadas com programas de governo igualmente inúteis, pró-forma e impraticáveis, sem gerar o mesmo choque ou serem considerados “ameaças”?

Marçal vende ilusões ao seu público? Sem dúvida. Mas quantos outros políticos, religiosos ou não, fazem o mesmo? Na mesma linha, quantos têm ligações muito mais explícitas com criminosos e facções, e, mesmo assim, não são chamados de representantes dessas organizações? Pelo contrário, são vistos como lideranças legítimas.

Entendo que Marçal seja visto como um elemento indesejável na política brasileira. Contudo, suspeito que a reação feroz contra ele não decorre de suas falhas, mas de algo mais profundo. Marçal expõe problemas e características nocivas de grande parte da nossa elite política —ou do tal “sistema”, como ele diz. E mais do que isso, o faz de maneira caricata, como faziam os bobos da corte ou mesmo o Coringa dos filmes hollywoodianos —o mesmo que, aliás, está tatuado na pele de tantos jovens periféricos.

Talvez a repulsa em torno de Marçal esteja ligada ao que sua figura nos revela. Se sua agressividade retórica justifica a agressão que recebeu, ela também expõe que, por trás da polidez e do discurso marqueteiro da nossa elite política e econômica, existe uma hostilidade oculta. E se essa interpretação for válida, talvez seja justamente isso que torne o estilo de Marçal tão atraente para seus admiradores —em grande parte, pessoas em situação de precariedade, com sonhos de ascensão e muita raiva do “sistema” que Marçal desnuda.

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