Quando a macheza vira contra o machão – 19/09/2024 – Joanna Moura


Nesta semana um novo e triste capítulo foi inaugurado na política brasileira, envolvendo uma cadeira e dois candidatos à Prefeitura de São Paulo.

Apesar de chocante, quem já acompanhava a campanha política para a Prefeitura de São Paulo e assistiu aos debates anteriores (e a este em questão) a cena não surpreendeu. Pelo contrário, se podemos dizer que há algum consenso no pós-cadeirada é que a mesma tratou-se de uma reação, uma reação física (e em minha humilde opinião injustificável), mas compreensível diante das reiteradas provocações: da acusação de estupro à tentativa de pintar o oponente como “comunista”.

Mas, de todas as afrontas proferidas durante os primeiros 60 minutos do debate veiculado ao vivo pela TV Cultura, foram os ataques à masculinidade de Datena que o fizeram finalmente perder a cabeça e partir para o ataque.

“Você não é homem!” disse Marçal segundos antes de receber o golpe que o fez se retirar do palco.

O ex-coach cutucou Datena onde sabia que ia doer: sua honra com H maiúsculo. Antes o chamou de arregão e o acusou de ter saído de um debate anterior chorando, tudo parte de uma estratégia calculada para gerar o resultado que gerou. Marçal sabia que, ao apertar certos botões, o descontrole viria. Afinal, o manual da masculinidade é claro: se o ataque é contra a virilidade, a resposta só pode ser uma, a força.

O que o coach não esperava é que o feitiço voltaria contra o feiticeiro. Pesquisas mostram Marçal em queda após a cadeirada. Mas segundo analistas políticos, a perda de apoio não é decorrente de suas reiteradas mentiras, nem de sua ausência de propostas, ou de sua retórica virulenta. Marçal está fadado a perder votos porque, na hora do vamos ver, o coach que se gaba de enfrentar tubarões a soco, não foi macho o suficiente.

O ato mal calculado de Marçal —de ir de macho alfa à vítima indefesa— e o consequente resultado negativo para sua campanha é a metáfora perfeita do efeito que a masculinidade tóxica tem sobre os próprios homens.

O ideal masculino baseado na hiper valorização da força física, na independência emocional e na dominância sobre o outro (versus a convivência) não faz de vítimas apenas mulheres. Estudos apontam que a masculinidade tóxica está diretamente relacionada ao aumento de doenças crônicas, à violência no trânsito, e à crescente taxa de suicídios entre os homens.

A verdade é que o show de horrores que se tornou a corrida eleitoral paulistana é apenas mais uma demonstração de um cenário político dominado pelo que há de pior no que entendemos como masculino. Violências verbais e físicas como as que têm sido televisionadas nos recentes debates não são novidade nem particularidade de um ou outro candidato. Não faz muito tempo, presenciamos a cena de um presidente que, em cima de um palanque, puxava o coro de “imbrochável” diante de uma multidão de apoiadores.

Mas enquanto cadeiras voam e candidatos disputam quem grita mais alto, o ar segue irrespirável, as filas de exames seguem aumentando, o nível de ensino nas escolas segue caindo, problemas que a masculinidade frágil de certos candidatos não ajuda em nada a resolver.

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