Até onde a crise climática vai nos levar? – 19/09/2024 – Morte Sem Tabu


Era época de Copa do Mundo e uma revista despretensiosa de companhia aérea dizia que, na Islândia, o direito de nadar é tão fundamental quanto à saúde ou educação. Fiquei fascinada. Sempre procuro destinos de viagem pelas águas e foi assim que ir àquele país se tornou um sonho.

Era 2018 quando passei uma semana rodando a pequena ilha de carro, na busca por águas quentes nadáveis à temperatura amena de dois graus negativos, auroras boreais e geleiras.

No fim das contas, são elas que realmente tornam o país tão único – além da peculiaridade de ser um dos únicos do mundo livres de Mc Donald’s. Com os pés dentro de sapatos especiais que fincam no gelo, estive em alguns dos lugares mais diferentes dos 41 países em que já pisei. Nem sei se dei valor suficiente ao que vi em Vatnajökull, agora que sei que a viagem é chamada de “turismo do fim do mundo”, já que as geleiras realmente correm o risco de desaparecer, e ainda mais cedo do que se imaginava.

É isso que diz a notícia que o Google me sugeriu recentemente: “Mudança climática incentiva ‘turismo do fim do mundo’ mais popular e arriscado”.

Com certeza eu já tinha ouvido falar sobre o prazo de validade daquela água em forma diferente da que fui buscar. Mas até o ano passado eu provavelmente não me achava tão próxima do assunto. Foi em novembro de 2023 que, andando pelas ruas de Belo Horizonte, senti um calor abafado como só havia sentido no deserto. Em 1997, quando me mudei para a cidade, vinda de Petrópolis, o clima nem era tão diferente daquele da serra fluminense a que estava acostumada. É claro que eu já sabia que as coisas estavam ficando piores a cada dia, mas não sei exatamente quando passamos do nível ruim para o insuportável.

O climatologista Carlos Nobre afirma que ninguém havia previsto uma aceleração tão intensa das mudanças climáticas. Há mais de um ano, vivemos temperaturas 1,5°C mais quentes que os níveis pré-industriais: “o último mês de agosto foi o mais quente já registrado. A Terra só viu algo parecido no último período interglacial, 120 mil anos atrás”.

O número pode parecer baixo. Mas a consequência desse longo período de altas temperaturas é o aumento dos eventos climáticos extremos. Nobre explica que, como a ciência previu, eles tiveram um crescimento exponencial, e não gradativo. Para se ter uma ideia, se o aumento passar de 2°C, todos os recifes de coral do mundo serão extintos. Se passar de 2,5°C, perderemos de 50 a 70% da Amazônia. Prefiro nem continuar.

Em Belo Horizonte, o céu não fica azul há dias. O cheiro de fumaça que me abalou há uma semana se tornou parte da minha rotina. Eu me acostumei com ele. Como alguém pode se acostumar com isso? Por aqui, não chove há cinco meses.

O que mais me apavora é que não parece que “fim do mundo” seja só um nome adequado para o turismo das geleiras islandesas e, ainda assim, eu continuo a viver como se não me dissesse respeito. Trabalho, escrevo, fui a um batizado, até torci o pé. Vario entre me sentir como os violonistas do Titanic e desejar desesperadamente que seja tudo um grande engano. É clichê demais que as histórias distópicas que lemos há tempos tenham se tornado tão reais. A crise climática é só mais uma entre tantas.

Já estive em alguns bunkers para proteção contra guerra nuclear. Lembro de comentar com meu marido na visita a um deles no leste europeu: “grande coisa sobreviver assim. Para que? Por quanto tempo? Presa aqui eu prefiro morrer logo”.

Não prefiro mais. Agora tenho uma filha pequena e gostaria de viver para ver quem ela vai se tornar, se é que o mundo vai permitir que se torne alguém. Realmente gostaria que houvesse algum onde ela pudesse crescer. Quando a gente não quer ser mãe, é comum responder às perguntas sobre maternidade colocando a culpa nele, “ah, não sei se tenho coragem de colocar uma criança neste mundo horrível”. Disse isso muitas vezes, provavelmente sem pensar de verdade no assunto. Mas, agora que coloquei, preciso acreditar que há saída para o fim do mundo.

Tenho me perguntado como é que vamos encontrá-la, se seguimos ignorando todas as evidências. É como se, em 2020, não houvéssemos iniciado todos os esforços pela vacina. Achamos uma saída ali, mesmo que depois de tantas perdas, ainda hoje, porque o mundo inteiro – inteiro – se uniu por uma causa comum.

Qual é a causa comum agora? É como se ela não existisse. Como se apenas devêssemos nos acostumar à nova cor que ganhou o céu. Às vezes me pergunto o que minha Beatriz vai responder sobre ela quando começar a fazer seus deveres de casa. Desconfio que vai dizer que é cinza. É cinza, mamãe, da cor do futuro.


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