Draghi está tentando salvar a Europa de si mesma – 17/09/2024 – Martin Wolf


“Dentro do nosso mandato, o BCE está pronto para fazer o que for necessário para preservar o euro. E acreditem, será suficiente.” Essas 23 palavras ditas por Mario Draghi, como presidente do Banco Central Europeu em julho de 2012, acalmaram o pânico que então envolvia o euro. Na semana passada, o mesmo homem lançou 393 páginas sobre o futuro da competitividade europeia.

Como presidente do BCE, Draghi enfrentou uma crise imediata com os instrumentos que possuía. Hoje, no entanto, ele está aconselhando políticos assustados, burocratas sobrecarregados e um público desencantado sobre por que e como fazer um grande esforço. O objetivo é, mais uma vez, salvar o projeto europeu que ele ama de um “desafio existencial”.

Nas palavras de seu relatório: “Se a Europa não se tornar mais produtiva, seremos forçados a escolher. Não seremos capazes de nos tornar, ao mesmo tempo, um líder em novas tecnologias, um farol de responsabilidade climática e um jogador independente no cenário mundial. Não seremos capazes de financiar nosso modelo social. Teremos que reduzir algumas, se não todas, as nossas ambições.” Em suma, a UE (União Europeia) corre o risco de fracassar.

O mundo de hoje, observa o relatório, é particularmente inadequado para a UE. A era do comércio dinâmico e do multilateralismo está morrendo. O bloco perdeu seu fornecedor mais importante de energia barata, a Rússia. Acima de tudo, está entrando em uma era de conflito geopolítico em que as dependências econômicas podem representar vulnerabilidade.

Pior, a UE está entrando nesse novo mundo com muitas fragilidades.

De acordo com o relatório, “a renda real disponível [per capita] cresceu quase duas vezes mais nos Estados Unidos do que na UE desde 2000”. Uma grande parte da razão é que a UE ficou muito atrás dos EUA (e até da China) na revolução digital. Apenas quatro das 50 maiores empresas de tecnologia do mundo são europeias.

Os preços da energia na UE são relativamente altos, especialmente em comparação com os dos EUA. A demografia da UE também é terrível. Assim, “[se] a UE mantivesse sua taxa média de crescimento da produtividade desde 2015, isso seria suficiente apenas para manter o PIB constante até 2050”. Não menos importante, os europeus são incapazes de se proteger, como a guerra na Ucrânia mostrou.

A UE não pode mudar o mundo. Mas pode —e deve— mudar a si mesma, para lidar com ele. O que mais claramente emerge deste relatório são os fios comuns que conectam essas várias doenças. Os mais importantes são fragmentação, regulamentação excessiva, regulamentação inadequada, gastos insuficientes e conservadorismo indevido. Destes, a fragmentação é o mais prejudicial.

Esses males emergem repetidamente no relatório. Draghi observa que “a Europa está presa em uma estrutura industrial estática, com poucas novas empresas surgindo para perturbar indústrias existentes ou desenvolver novos motores de crescimento. Na verdade, não há nenhuma empresa da UE com uma capitalização de mercado superior a 100 bilhões de euros que tenha sido criada do zero nos últimos 50 anos, enquanto todas as seis empresas dos EUA com uma avaliação acima de 1 trilhão de euros foram criadas nesse período.”

Consequentemente, a lista dos três maiores investidores em pesquisa e inovação tem sido dominada por empresas automotivas há 20 anos. A Europa corre o risco de se tornar um museu industrial.

Por quê? A fragmentação é a principal resposta. Assim, o mercado único não existe verdadeiramente, em termos de saídas ou entradas, especialmente capital. O setor universitário também é fragmentado, assim como o apoio público à pesquisa e inovação.

A falta de escala e a aversão ao risco significam que as fontes de financiamento dos EUA são muito maiores do que as da UE. Como resultado, “muitos empreendedores europeus preferem buscar financiamento de capitalistas de risco dos EUA e expandir no mercado dos EUA”.

A regulamentação excessiva também é um grande problema. Isso se deve em parte ao conservadorismo exagerado, mas também à tendência dos estados membros de acumularem suas próprias regulamentações sobre as da UE.

A fragmentação também afeta a política energética e de segurança. Um mercado de energia totalmente integrado não existe, por exemplo. A UE também falhou em integrar suas indústrias de defesa ou sua aquisição de equipamentos militares. Isso aumenta o custo e reduz a eficiência. Tal fragmentação é insustentável, especialmente à medida que a credibilidade do compromisso de defesa dos EUA é questionada.

Inevitavelmente e com razão, está sendo dada atenção à abordagem medida e sofisticada de Draghi em relação a políticas comerciais e industriais mais intervencionistas. Uma justificativa é a preocupação com a segurança. Outra é que a UE está adotando uma política industrial de qualquer maneira, mas ela é fragmentada e os gastos com ela são dominados pelos grandes países membros. A última é que sabemos que, se feita corretamente, a política industrial pode melhorar tanto a concorrência quanto o bem-estar global.

Quem agora pensa que criar a Airbus foi um erro? Certamente foi um triunfo. A lição é que tais grandes intervenções devem ser feitas em conjunto, em grande escala e com objetivos claros. Criar um novo sistema de energia zero carbono precisará de tudo isso. Assim como a criação de um setor de defesa eficaz.

Infelizmente, as explicações para muitos dos problemas descritos por Draghi, notadamente a fragmentação e o conservadorismo, também são as razões pelas quais suas soluções radicais são improváveis de serem adotadas.

Como ele observa, “políticas industriais bem-sucedidas hoje exigem estratégias que abrangem investimento, tributação, educação, acesso a financiamento, regulamentação, comércio e política externa, unidas por um objetivo estratégico acordado”. Para que a UE consiga isso, serão necessárias reformas radicais.

O nacionalismo crescente de hoje tornará a implementação de tais reformas ainda mais difícil. Os europeus correm o risco de esquecer as lições de seu passado: apenas se agirem juntos poderão esperar moldar seu futuro. Os britânicos esqueceram isso. Os outros podem lembrar —e agir?


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