Folha precisa buscar linguagem acessível, diz ombudsman – 17/09/2024 – Poder


Um grupo bem variado de leitores da Folha se encontrou com a ombudsman Alexandra Moraes na manhã desta terça (17) no auditório da sede do jornal, no centro de São Paulo.

Entre as 62 pessoas que acompanharam o evento, que celebrou os 35 anos da adoção do cargo de ombudsman pelo jornal, estavam leitores de longa data, como Terezinha Rocha, 74, que acompanha a Folha desde a infância. E leitores em potencial, como Catarina Wanderley Sarcedo, 16, que tem sido estimulada pelos pais a incluir o jornal em sua rotina.

A Folha foi o primeiro veículo da imprensa brasileira a contar com um ombudsman, motivado pelo sucesso das experiências do diário espanhol El País e do norte-americano The Washington Post. A missão foi assumida inicialmente pelo jornalista Caio Túlio Costa, em 1989.

Moraes, no cargo desde junho deste ano, é a 15ª pessoa a exercer a função.

O ombudsman é um profissional dedicado a receber e encaminhar as queixas dos leitores; realizar a crítica interna do jornal e, aos domingos, produzir uma coluna sobre os meios de comunicação, em especial a própria Folha.

O encontro desta terça consistiu basicamente em uma sessão de perguntas dos leitores à ombudsman. Dúvidas fora das atribuições de Moraes eram respondidas por Roberto Dias, secretário de Redação da Folha.

A estudante de jornalismo Gabriela Loures quis saber sobre a relação dos jovens com o jornal. Para Moraes, a Folha tem falhado em despertar o interesse desse público, mas a dificuldade vai além desse segmento.

“É preciso, muitas vezes, tornar a linguagem do jornal menos quadrada e mais clara para todo mundo. A gente costuma usar uma linguagem burocrática que não comunica muito –e não só com os jovens, com a população [como um todo]”, afirmou.

“Precisamos buscar uma linguagem mais acessível e é importante lembrar que isso não significa um material mais raso. Pelo contrário, para que o jornalista consiga transmitir uma informação com fluência, ele precisa dominar o tema.”

Leitores como Luiz Gornstein e Cristiana Sarcedo, mãe da jovem Catarina, pediram à ombudsman um comentário sobre a cobertura feita pela Folha da Operação Lava Jato. “Acho que [fora do jornal] existiu um consenso de que houve um exagero, digamos assim”, disse ela inicialmente.

Mais adiante, Moraes retomou o assunto, lembrando as observações de jornalistas que atuaram como ombudsman no período da Lava Jato, Vera Guimarães Martins e Paula Cesarino Costa. “As colunas escritas por elas foram, em grande parte, responsáveis por uma correção de rumos do jornal nessa cobertura.”

De acordo com o leitor Caio Rocha, Jair Bolsonaro (PL) foi vitorioso na disputa pela Presidência em 2018 muito em razão do espaço dado a ele pela mídia. E o mesmo comportamento ocorre agora com a candidatura de Pablo Marçal (PRTB) à Prefeitura de São Paulo.

A Folha repensou os critérios para espaço dedicado a notícias que podem fazer parte de uma estratégia política?, perguntou.

Para a ombudsman, o que deve prevalecer é a relevância da notícia e dos personagens envolvidos. “O resultado da eleição seria diferente se a Folha não tivesse falado sobre Bolsonaro em 2018? Existe uma dinâmica desses candidatos que vai além do jornal.”

Moraes lembrou um encontro dos jornalistas da Folha com o então diretor de Redação Otavio Frias Filho em 2017, um ano antes da morte dele. Naquela ocasião, ele citou o dito de que a luz do sol é o melhor desinfetante. “É preciso deixar a pessoa falar para que mostre quem é. E investir em reportagens para ajudar o leitor a conhecê-la, esse é o trabalho jornalístico.”

João Abel estava curioso sobre o andamento da editoria de Diversidade, hoje sob os cuidados de Flavia Lima, secretária-assistente de Redação, e anteriormente coordenada por Moraes.

De acordo com a ombudsman, essa área tem se fortalecido dentro da Folha. “Não é uma iniciativa que ficou só no discurso, essa preocupação perpassa a produção do jornal de maneira consistente.”

Roberto Dias complementou a resposta: “Avançamos certamente nos últimos cinco, seis anos, há uma diversidade maior na Redação. Mas ainda existe um longo caminho para percorrer. Quando falamos em diversidade, costumamos pensar em cor da pele e gênero, mas temos uma preocupação grande com outras formas de diversidade, como ideológica, religiosa, regional”.

O leitor Giuseppe Capaldi contou que acordou às 6h para chegar ao evento da Folha, cujo início se deu logo depois das 9h. Ele mora no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo. O que grandes veículos poderiam fazer para que pessoas como ele, morador da periferia, se sentissem mais representadas?

“Esse trabalho de diversidade tem tentado olhar para isso porque o jornal é muito elitista”, disse Moraes. Para ela, há ações nesse sentido, como o blog Sons da Perifa, mas são insuficientes. “O jornal tenta chegar à periferia, mas, às vezes, isso acontece com uma visão muito romantizada. Vai à periferia com uma visão da classe média.”

Para o leitor Everton Calício, o jornalismo praticado pela Folha “anda bebendo nas redes sociais hoje em dia, o que é muito ruim. A gente espera, na verdade, análises densas, e o jornal tem tomado um caminho mais pobre”.

A ombudsman afirmou concordar com ele, dizendo que a Folha nem sempre filtra bem tendências ou personagens oriundos de plataformas como o Instagram. “Por outro lado, eu adoraria poder dispensar as redes sociais. Existe uma tentação de dizer que determinada situação é só uma confusão de rede social, mas sabemos que costuma extrapolar [para a vida real].”

Assinante da Folha há mais de 50 anos, Valberto Garcia disse que estava realizando um sonho ao, enfim, conhecer o jornal –depois do encontro com a ombudsman, os leitores visitaram a Redação.

Antes disso, porém, ele criticou a impossibilidade de destacar os cadernos na nova versão impressa da Folha. “Estamos trabalhando para tentar atender aos pedidos”, afirmou Dias.

Para Calício, o jornal, associado a ações de vanguarda na imprensa brasileira, demonstrou atraso na adoção do formato berliner, transição feita pelo O Estado de S. Paulo em 2021.

“Mas não tem elogio ao jornal?”, questionou, bem-humorada, Terezinha Rocha. “Um elogiozinho é bom. Mas isso é da nossa cultura aqui, é obrigação que esteja bom”, respondeu Moraes.

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