Saúde mental: doenças transformam tarefas em fardo – 19/09/2024 – Não Tem Cabimento


Será que um dia viverei sem os sintomas da depressão, as crises de ansiedade, a distorção de imagem ou os pensamentos compulsivos que me fazem organizar tudo na mesa antes de começar qualquer tarefa, todos os dias?

Sei que o desânimo é o denominador comum na realidade cada vez mais efêmera em que vivemos –mas nem todos sofrem com isso. Um amigo me contou que não sabe como é se sentir ansioso; disse que quando algo acontece, pensa em como resolver e vai. Não é maluco? É como deveria ser, dizem.

Daqui, uma mensagem ou conversa já podem causar um aperto no estômago e fazer suar. Se a tensão for muita, não consigo formular as frases e o raciocínio escapa. Acabado o momento, esqueço a maior parte da interação. Fica só a sensação de que falhei porque a ansiedade fez a minha cabeça correr e o meu corpo paralisar.

Às vezes percebo que não sei o que é a minha personalidade e o que são todas essas coisas que me acompanham desde criança, quando veio o primeiro diagnóstico de depressão e ansiedade. O que eu sou sem elas? Provavelmente alguém muito mais legal comigo mesma.

Dia desses vi no Instagram uma dessas novas modalidades de correntes do Orkut (a quem queremos enganar?) com aquela ferramenta “Sua Vez”, em que as pessoas compartilham um template adaptando com suas fotos e textos. Você tinha que escolher opções condizentes consigo em duas colunas paralelas: paciente ou impaciente, tranquilo ou ansioso, tímido ou extrovertido, pessimista ou otimista, decidido ou indeciso, seguro ou inseguro. Meu quase-gabarito revela a baixa autoestima.

Quando perguntei para minha psicóloga se todos tinham depressão (porque achava ser inerente ao ser humano, como já contei aqui) e descobri que não, minha cabeça ficou confusa. Já adulta, era meu terceiro episódio depressivo, mas pela primeira vez soube o que realmente acontecia ao olhar no espelho (e não enxergar), ao restringir refeições (ou vomitar tudo o que comi), sob o impulso de tomar remédios a mais. Nunca desejei ir embora de vez, apenas não ter que existir por um tempo. Só que pausar não é possível.

A gente pensa que quem quer ir embora do mundo está por aí com a cara amarrada, inconsolável, os olhos cheios d’água. Não é verdade. Eu mesma sempre fui alegre. Dou risada o tempo todo. Mas os momentos felizes são apenas momentos e evaporam em instantes, como álcool sob o sol. Dá para ver o riso se descolando do rosto e o sentido de tudo se desfazendo. É vazio.

Falar. Ouvir. Mexer os dedos para digitar uma mensagem, relato ou reportagem. Preparar uma refeição. Talvez só lavar uma maçã. Abrir a boca para dar uma garfada. Mastigar. Tirar a roupa e entrar no banho. Pegar o sabonete. Esfregar o corpo. Sentir que ele se move. Sair da água. Me enrolar na toalha. Mexer os braços para me secar. Trocar de roupa. Formular uma resposta. Você está bem? As tarefas mais banais pegam toda a energia do corpo e guardam numa sacola em cima do guarda-roupa.

Eu não alcanço com meu um metro e tanto. Vou encolhendo, pequenininha. Preciso ter coragem para ir ao trabalho. Preciso ter coragem para tomar o café com aquela amiga que não vejo há oito meses. Preciso ter coragem para colocar uma roupa que não seja esse pijama.


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