Vítima da poliomielite vive há mais de 50 anos com os efeitos da doença: ‘Dor física e emocional’ – Notícias

Vítima da poliomielite vive há mais de 50 anos com os efeitos da doença: ‘Dor física e emocional’ – Notícias


Ryvia Rose Ferraz Bezerra, de 51 anos, é um exemplo vivo da gravidade da poliomielite. Quando tinha apenas nove meses, em 1971, contraiu o poliovírus e desenvolveu sequelas graves, com as quais têm de lidar até hoje.


“Naquela época não acontecia como hoje, não tínhamos o SUS, as vacinas vinham com campanhas específicas. [Mas] eu nasci em Maceió, Nordeste, onde toda essa questão de saúde era bem precária. Quando tinham as campanhas de vacina, geralmente, eu estava com algum impedimento – febre ou vômito – e não podia vacinar. Quando eu ficava bem de saúde, não tinham as vacinas disponíveis. E nessa questão de chegar no posto de saúde e não ter vacina e, quando tinha, eu não podia tomar, que foi bem no pico da poliomielite, eu acabei contraindo”, lembra a, agora, médica do trabalho.



Naquela fase, Ryvia ainda estava aprendendo a caminhar e, quando começou a apresentar dificuldades para permanecer em pé e ao ficar com a perna direita flácida, a mãe dela procurou ajuda especializada e recebeu o diagnóstico.


Também chamada de paralisia infantil, a poliomielite é uma doença contagiosa aguda causada pelo poliovírus, que vive no intestino. Nos casos graves, podem ocorrer paralisias musculares, principalmente nos membros inferiores e de forma assimétrica (uma das pernas).


“É uma doença que afeta os nervos, afeta a motricidade. O cérebro manda uma mensagem através da medula, e da medula saem nervos que comandam os músculos – que levam força e trazem sensibilidade. Na poliomielite, existe um comprometimento [dos nervos] de motricidade, então esses pacientes têm a sensibilidade preservada, mas não conseguem mexer os membros”, explica explica o médico fisiatra e ortopedista Paulo Henrique Gomes Mulazzani.



Segundo o especialista, não são todas as pessoas que manifestam a doença (ela pode ser assintomática), mas aquelas que apresentam podem “ficar com sequelas para a vida inteira, que foi o caso dessa paciente [Ryvia]”.


Da década de 1970 para cá, ela passou por 14 cirurgias e diversas tentativas de conviver bem e com autonomia com as sequelas da doença. O primeiro procedimento aconteceu quando ela tinha apenas três anos.


“Foram momentos de bastante dor emocional e física e de enfrentamento de preconceitos”, lamenta Ryvia.


Durante a infância, em específico, ela fez várias cirurgias. “Enquanto todo mundo estava brincando, correndo, eu estava com a perna imobilizada, sentindo dor. Teve uma fase do Ensino Médio que eu ia de cadeira de rodas, para não perder aula. Mas era muito sacrificial.”


Compartilhe esta notícia no Whatsapp

Compartilhe esta notícia no Telegram


Apesar disso, por sorte, Ryvia nasceu e foi criada “em uma família que me deu sempre muito suporte, me fez participar de tudo que era possível. Então eu fui uma criança que, com toda essa sequela, eu aprendi a andar de bicicleta e a dirigir um carro mecânico.”


Essa sorte, porém, pode não se repetir para as crianças dessa geração que ainda não se vacinaram contra a poliomielite.


Segundo dados do DataSUS, 47,6% delas ainda não tomaram o imunizante. A região Norte e Sudeste acumulam as menores taxas, com uma cobertura vacinal de 47,66% e 51,60%, respectivamente.


Vale ressaltar que a meta de cobertura estipulada pelo Ministério da Saúde é superior a 95%.


Durante a sétima edição do ISI (International Symposium on Immunobiologicals), a presidente da Câmara Técnica de Poliomielite do Ministério da Saúde, Luiza Helena Falleiros, destacou o risco que o Brasil corre.


“Com o processo de imigração constante, com baixas coberturas vacinais, a continuidade do uso da vacina oral, saneamento inadequado, grupos antivacinas e falta de vigilância ambiental, vamos ter o retorno da pólio. O que é uma tragédia anunciada”, afirmou.



A doença foi erradicada do país em 1989, após diversos surtos que resultaram, de acordo com dados do Ministério da Saúde, em 26 mil casos de infecção pelo poliovírus.


Apesar de não circular mais no Brasil, a poliomielite ainda é endêmica no Paquistão e no Afeganistão. Recentemente, foi registrado um caso da doença em um bebê índigena de Loreto, no Peru, a 500 km da fronteira entre o país e os estados do Amazonas e o Acre.


Por essa razão, autoridades do Amazonas intensificaram a vacinação contra a doença na região – já que essa é a única forma de prevenir a poliomielite. Mas isso deve ocorrer em todo o país.


“O Brasil não tem apresentado casos, se tornando um país livre de doença, por conta das campanhas de vacinação em massa. Se a população parar de vacinar, pode vir [a ter]”, alerta Mulazzani.


No caso de Ryvia, mesmo lidando de forma otimista com as sequelas, ela deixa claro que “o melhor é o prevenir [a poliomielite], melhor seria que nada disso fosse preciso.”


A médica tem de, constantemente, se adaptar aos efeitos da doença. Apesar de ela ter atingido a perna direita, a sobrecarga também acarretou danos à perna esquerda e à coluna. Segundo ela, o joelho da perna sem sequela “já estava tão danificado que estava a ponto de [precisar] colocar uma prótese”.


Para evitar essa situação, ela passou a usar bengala e órtese há cerca de cinco anos.



Em 2022, ela começou a usar a órtese de alta tecnologia, a C-Brace, que abrange joelho, tornozelo e pé.


De acordo com a médica, ela adquiriu mais conforto, estabilidade e segurança com o modelo e, agora, até consegue descer escadas.


“Pela primeira vez na vida, eu consegui sentir o que é caminhar como vocês caminham. Eu nunca tive isso. Eu nunca tive a sensação de uma marcha funcional, sempre claudiquei, manquei. Eu tenho uma diferença muito grande de uma perna para outra, quase 6 cm de diferença, é muita coisa. Isso me levava a uma marcha muito difícil, desconfortável, fora todos os problemas de coluna”, relata Ryvia.


“Esse equipamento [a órtese] lê por computador que você está caminhando e libera o joelho para você dar o passo e, quando você coloca o pé em uso da órtese no chão, ele trava. Então, te dá muita segurança”, complementa o especialista.


Hoje, ela consegue manter uma vida perto da normalidade possível, mantém-se ativa no trabalho, dá aulas e canta em um coral. Porém, como profissional da saúde e paciente, ressalta a importância da vacinação.


“Temos a erradicação da poliomielite graças, exatamente, à vacina e não queremos que isso volte. Queremos que as nossas crianças continuem saudáveis. Então fica aqui a minha palavra: pais, vacinem sim os seus filhos. O vírus ainda circula”, alerta Ryvia.


“Uma criança não cria capacidade de decidir a vida dela, ela precisa da decisão paterna. A vacina sempre foi muito segura, a prevenção da maior parte das doenças é a grande solução”, finaliza Mulazzani.


*Sob supervisão de Fernando Mellis


Brasil tem 6 hospitais na lista dos melhores do mundo; saiba quais são


douglasc

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *