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Ya no Estoy Aquí (2020), Fernando Frías de la Parra
Ulises não é nenhum personagem de Homero, nem faz parte de “Odisseia” alguma, mas bem que poderia. O protagonista de “Ya no Estoy Aquí” tem sua jornada própria, uma trajetória em busca de autoconhecimento e descobrimento do mundo, honra, afirmação. O garoto de 17 anos, como qualquer um em Monterrey, nordeste do México, gosta de roupas largas, cabelo extravagante, penduricalhos, estética que, sob uma análise ligeira, remeteria aos rappers nova-iorquinos. No caso de Ulises, o moleque é um digno representante da cultura regional, hispânico-latina, mais precisamente. Ele sonha em se tornar um expoente da Kolombia, um subtipo da cúmbia, ritmo surgido no país sul-americano, com algumas variações de tempo. Ulises também, como um adolescente comum, anda em companhia dos amigos, e aí é que está o problema. Numa dessas, conhece criminosos de verdade, se mete em confusão com eles e sua única saída é imigrar, no bagageiro de uma van, para os Estados Unidos. Lá, se vira como pode, dançando no metrô a fim de defender um trocado e dorme de favor na água-furtada da garota sino-americana, também uma intrusa no mundinho abafado da América, interessada nele, mas não correspondida, porque Ulises não fala inglês, e tampouco a moça entende espanhol. O filme de Fernando Frías de la Parra é um portento de beleza, de originalidade, com seus planos ora disparados, ora lentos, quase se arrastando, tudo friamente pensado, enquadramentos quase sempre muito abertos, a fim de conferir à cena a sensação de distância, de exclusão. O resultado de tamanho esmero é um genuíno tratado antropológico sobre a juventude em países periféricos da América Latina, sobre a resistência cultural nesses rincões perdidos, mediante a ótica do oprimido, sem jamais se permitir concessões ao vitimismo. Ulises é digno até a raiz do cabelo descolorido, mesmo quando reconhece a derrota e se submete. Um herói, portanto.